terça-feira, 25 de dezembro de 2012

D. CANÔ

Mesmo esperada devido ao seu precário estado de saúde e idade avançada a notícia do falecimento de D. Canô, ou D. Canosinha como também era conhecida nos fez cair naquele vazio, mesmo sabendo que a morte é um acontecimento normal na vida de todos nós.
Fomos vizinho em Santo Amaro, na Rua Direita por um longo tempo. Era criança mas tenho ainda bastante claro na minhas lembranças a sua figura miudinha, com o seu tradicional penteado e voz mansa nos quase diários encontros obrigatórios proporcionados não só pela vizinhança como também pelas dimensões do nosso Santo Amaro.
Qualquer coisa que eu fale sobre D. Canosinha não será novidade. Tudo já foi contado em prosa e verso depois que seus dois filhos mais famosos (Maria Betânia e Caetano) se tornaram personagens internacionais.
Relatarei três fatos acontecidos comigo para demonstrar que a fama não lhe subiu a cabeça e o prestigio alcançado não fez esquecer os amigos, conhecidos como também não apagou de sua memória alguns fatos envolvendo pessoas  no tempo em que D. Canosinha a depender da situação era esposa do "seu" Zezinho ou "seu" Zezinho era o marido de D. Canosinha. 
Fato 1 - Certo domingo, fomos Lúcia, Virgilinho, Luciana e minha cunhada Edilda dar um passeio de carro até Cachoeira e na volta retornamos por Santo Amaro. Passando pela Rua do Amparo vi D. Canô na porta de casa. Parei o carro, saltei e me dirigindo a ela perguntei: lembra-se de mim? depois de pouco menos de 1 minuto me observando ela me disse: "Virgilinho, filho de Hilda e seu Borba." Beijei-lhe as mãos, nos abraçamos e chamei a turma para cumprimenta-la. Conversamos na porta mesmo, não por falta de convite para entrar e sim pela proximidade da noite que não gostaríamos de enfrentar na estrada. Nos dez minutos de prosa ela relembrou fatos do tempo que morávamos em Santo Amaro e se dirigindo aos meus filhos disse: "Seu pai não foi gente, deu muito trabalho." Não contestei, mas no carro corrigi: quem deu muito trabalho mesmo foi meu irmão Rui.
Fato 2 - Tempos depois, D. Canô quase centenária, tendo ido ao distrito de Pedra com dois amigos (Assis e Igor), no retorno passando novamente pela Rua do Amparo parei na porta de D. Canô,  toquei na campainha e quando a empregada me atendeu, ao perguntar por ela, fui informado que estava almoçando. Quando ia me retirando seu filho Rodrigo apareceu e me reconhecendo falou alto: "mamãe, olha quem está aqui, Virgilinho." Dessa vez entrei com os amigos e vimos D. Canô almoçando um belo prato de feijão verde com tudo que tinha direito. E no seu tom de voz habitual, disse: "sente com seus amigos meu filho, para almoçar." Infelizmente, mais uma vez, a pressa nos impediu de mais um tempinho para saborear o feijão gostoso e conversar um pouco com ela.
Ao ouvir as nossas justificativas, com o espírito crítico que lhe caracterizava disse: "é melhor almoçar para não sair falando mal da casa."
Fato 3 - Tempos depois indo ao lançamento do seu livro de receitas "O Sal é um Dom - Receitas de Mãe Canô",   ao me aproximar dela para a assinatura na dedicatória, sua filha Mabel, notando que ela não me reconhecera, segredou-lhe: "é Virgilinho filho de D. Hilda." Mas uma vez ela não perdeu o bonde. Olhou-me e disse: "Também com esses cabelos brancos, parecendo mais velho que eu, não posso reconhecer."
Essa era a D. Canô que hoje nos deixou para ir se encontrar com seu Zezinho num cantinho bem aconchegante do céu.      

5 comentários:

  1. Meu amigo Virgílio, você conseguiu em poucas linhas contar mais sobre D. Canô, que tudo o que li sobre ela na imprensa. Abraço e um Feliz ano Novo para meu querido amigo.

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  2. Bom texto. Continue espalhando o talento

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  3. Gostei em saber que você gostou. Obrigado.

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