quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SAUDADE



     De leve, de levinho, devagar, devagarinho, foi chegando de mansinho. Machucou mas não doeu, feriu mas não sangrou. Só um pouquinho... bem pouquinho.  
     Naquela manhã, bem cedinho, quando o dia nem abrira os olhos, quietinha como um gato no sofá veio para o encontro marcado não lembrado quando nem para quando. Meio dormindo meio acordado, embriagado pelo sono não despertado, disse: ela chegou... para ficar.
     Era o sentimento saudade que durante muitos anos dormitara no seu leito sem me incomodar, consciente que um dia chegaria para me lembrar de um passado que se tornou distante pelos milhões de passos que nem adianta contar.
     Lendo os meus pensamentos mal despertos e antes que eu dissesse alguma coisa, foi logo prevenindo: esqueça a frieza dos números, nada de contagem dos dias, das horas e dos segundos passados e muito menos que vim para lhe reavivar o passado. Meu nome é saudade e não me confunda, por favor, com regressão. Vim para lhe dizer que minha tarefa é não deixar apagar de sua memória seus bons momentos que não foram poucos até hoje. Sou  semelhante ao pão da vida onde você se alimenta diariamente, embora quase sempre esteja abrindo e valorizando a gaveta da regressão que não se preocupa em separar o joio do trigo e normalmente coloca em cima os momentos tristes, de profundo sofrimento alimentando-lhe o sentimento de culpa.
    Aprenda a saborear-me como se fosse sua sobremesa preferida pois sou a sobremesa da vida, o bem maior que Deus nos deu. 
    Esse encontro ao alvorecer fez-me vê-la não mais como um sol poente onde seu clarão aos pouquinhos vai cedendo seu posto à escuridão, nem uma cerimônia  do adeus. Não é. Ela é realmente o supremo prazer do saborear os momentos inesquecíveis da nossa vida. Agradáveis ou não, foram momentos. Os desagradáveis esconda-os a sete chaves na gaveta da regressão e jogue-as fora. Dos agradáveis sinta o prazer. 
    Tratemos a saudade com carinho e amor, sem dor, sem sofrimento, sem remorsos. Façamos dela uma amiga, uma dileta amiga que nos diz o que precisamos ouvir, e não o que gostaríamos de  ouvir. É  a fiel e sincera amiga que nos alerta o que não seguir e aponta e estimula o caminho, o bom porvir.
    Saudade não é paixão, sentimento passageiro e sim, amor à vida em constante renovação.
    Saudade é o sentimento que não morreu.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Que belo texto amigo.
    Também gosto muito de suas doutrinárias.
    Abraços fraternos.
    Isabella Pacheco Pereira

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  3. Para ter o prazer de ler textos assim, é que insisto no tema: Não pare de escrever. Um grande abraço.

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  4. Muito obrigados a ambas e também pelo estímulo Raquel. Prometo seguir seu conselho.

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  5. Que texto lindo Virgílio. Muito obrigado, sua sabedoria é um grande alento.
    Meu fraterno abraço e um beijo imenso!

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  6. Fico muito grato pelo seu comentário muito importante paramim.
    Beijão fraterno.

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