O ano foi 1967. Lembro-me porque nesse ano
dois fatos sem qualquer conexão um com outro ocorreram no Brasil,
coincidentemente no mês de julho: um o lançamento de uma nova moeda, o cruzado
novo e o outro o lançamento do Tigre da Esso.
Nesse mesmo ano e mês, eu e mais dois
primos, Omerville, já falecido e Fernando seu irmão, 15 anos), vivemos uma
aventura inesquecível.
Convidei-o para a quatro mãos relatarmos a
nossa aventura. Procuraremos no arquivo da memória relembrar o episódio que
tanto nos marcou com uma única finalidade: rememorar. E, se os netinhos
resolverem ler um dia que aqueles avozinhos carinhosos, conselheiros e
dedicados também aprontaram. Vamos aos fatos:
JULHO 1967 –
Era um sexta-feira, hora do almoço quando ambos vindos do Recife chegaram.
Almoçamos e ele me pediu para levar o carro para lavar. Na saída, no portão da
garagem me perguntou se eu poderia ir com ele ao Rio para terminar uma confusão
que tivera no Recife com um cara por caso de uma mulher. Disse-lhe que estava
para receber uma boa comissão de corretagem de um seguro que fizera e se ela
saísse toparia a empreitada. Valor da comissão: 200,00 cruzados novos; Pagaram-me e confirmamos a viagem.
DOMINGO –
Omerville demonstrou que não queria que Nando fosse por ser menor e isso
certamente iria atrapalhar seus planos. Após reclamar bastante, conseguiu que
ele mudasse de opinião e participou da embaixada. Não atrapalhou nada, mas não
desfrutou do bem bom devido sua menor idade.
Nando e eu
dormimos cedo enquanto Omerville saiu para pegar uma “segunda sessão” com uma
garota que era noiva.
MADRUGADA
DE SEGUNDA – Logo após sua chegada por volta das duas madrugadas exausto pelo
esforço do namoro e com “umas duas” na cabeça. Acordamos mamãe que preparou
nosso café e partimos. Eu dirigindo, Omerville no banco da frente cochilando e
Nando atrás dormindo no espaço que transformamos em “suíte” após baixar o
encosto do banco. Na saída combinamos que as despesas da viagem de ida seriam
todas por conta de Omerville para sabermos quanto gastamos na viagem.
1.600KM DE
IRRESPONSABILIDADE TOTAL – Antes de chegarmos em Feira de Santana o cabo do
velocímetro quebrou e ficamos sem saber qual a velocidade.
Com
ultrapassagens permitidas, pelo acostamento, proibidas, aproveitando o espaço
mínimo entre um caminhão e outro, colocando o para-choque do carro embaixo da
carroceria dos caminhões fomos tocando em frente. Em certo momento passamos por
aperto daqueles. Resolvemos ultrapassar uma longa fila de caminhões de uma vez
só em subida. De repente, em sentido contrário destampa um caminhão e o
motorista sacanamente nos convida para continuar, que nos faria picadinho de carne moída; o
caminhoneiro ao lado pressentindo a tragédia diminuiu a velocidade abrindo uma
brecha que entramos no limite, ufa!!! Ao passarmos ouvimos um sonoro malucos irresponsáveis.
Ao que nos convidara com um aceno retribuímos com uma “banana” bem grande. Encerrando
o episódio ao agradecer o nosso anjo de guarda, vimos ele na cabine sorrindo e
fazendo aquele tradicional gesto nos classificando de doidos. E éramos.
Chegamos
por volta das seis da manhã em Jequié, tomamos um belo café, abastecemos o
carro e seguimos em frente no nosso desvario.
Vencendo
quilômetros, devorando a BR-116, passando por cidades desconhecidas e
importantes (Vitoria da Conquista, Teófilo Otoni e Governador Valadares)
parando exclusivamente para abastecer e almoçar seguimos em frente até
Leopoldina chegando às 20h e 30 min. Foram 1469 km em 18h. com velocidade média de 82
km. Estávamos a 239 km do Rio de Janeiro e não seguimos em frente pois não
tínhamos lugar para nos hospedar. Paramos no posto de gasolina procuramos um
cantinho e fomos dormir. Omerville e eu na “suíte” e Nando no “quarto” da
frente do Karmann Ghia vermelho Na manhã seguinte, um café reforçado,
abastecimento e o destino final.
TERÇA-FEIRA
– Por volta das 9 da manhã alcançamos nosso objetivo: Rio de Janeiro e aí
inicia a segunda parte da nossa aventura. As “emoções” foram diferentes, mas
foram cheias de fatos que se tornaram inesquecíveis. A primeira delas foi
quando nos dirigimos à casa de uns parentes de Nando e Omerville que com
familiares, pouco tempo antes passaram quase um mês em sua casa e nos negou
hospedagem.
Como
aventureiro não se abate, seguimos em frente e fomos para o a apartamento de
Hildinha, casada há pouco tempo e tia deles. Que moravam em Copacabana, Rua
Francisco de Sá num daqueles minúsculos quarto e sala onde 3 pessoas já
provocavam engarrafamento. Seriam cinco. Combinamos que Nando dormiria lá e nós
ficaríamos hospedados em um hotel. Com que dinheiro não sabemos. Tomamos um bom
banho almoçamos e saímos. Antes de sair fizemos o balanço financeiro da viagem
verificando que foram gastos sessenta cruzados novos. Separei essa quantia
entreguei a Hildinha, suplicando-lhe que guardasse bem guardado e só nos
entregasse na hora do retorno, nem que os três reunidos chorassem “pitangas”aos
seus pés. O saldo dividi irmãmente com
Omerville. Passamos num posto lavamos o carro e trocamos o óleo e em seguida
fomos ao Corcovado agradecer ao Cristo e apreciar a belíssima vista da Cidade
Maravilhosa.
Retornando
para Copacabana, em Botafogo próximo ao Túnel Rebouças, trânsito engarrafado,
demos a nossa contribuição para piorar errando o caminho e atrapalhando os
outros veículos. O guarda de trânsito
vendo a situação veio até nós e notou que a placa do carro era uma daquelas
placas pretas com o nome de Assembleia Legislativa de Pernambuco. Dirigiu-se
até nós, identificou-se como pernambucano, disse que tinha um parente
trabalhando lá. Respondemos que éramos sobrinhos de um deputado tal e ele
interrompeu todo o trânsito e nos colocou no caminho certo. Obrigado guarda,
obrigado deputado tal.
Chegamos em
casa, jantamos e depois de uma conversa saímos (Omreville e eu) para o hotel
dormir. Na realidade o hotel se chamava Canecão, a coqueluche da época com muitas
mulheres desacompanhadas, na esperança de encontrar alguma que precisasse
de aquecimento naquela noite fria de julho. Vazio. Sentamos em uma mesa,
pedimos uma cerveja e uns salgadinhos e passamos mais de duas horas sem pedir
mais nada. Mas era preciso dormir. Onde? Voltamos para Copacabana, Rua
Francisco de Sá, estacionamos o carro na porta do prédio que Hildinha e
Carlinhos moravam e transformamos o carro em hotel. Dormimos o sono dos
inocentes, mesmo com frio.
QUARTA-FEIRA
– Acordamos cedo demos uma volta pela Avenida Atlântica, compramos pão e fomos
para o apartamento e a primeira pergunta foi: onde estão hospedados? Resposta
Karmann Ghia Palace Hotel. Batizamos o hotel e Hildinha engoliu a pílula.
Um café
gostoso pão fresquinho, ovos, um bolinho de aimpim. Um papo agradável e a
seguir rua: os três.
Omerville
ligou para uma garota que ele namorou em Recife e conhecia a família com boa
posição social, morando no Rio. Marcaram encontro e lá fomos nós. Eram duas
irmãs que durante esses dias foram nossas companhias nos passeios, barzinhos,
bons clubes sociais e como dissemos que tínhamos pouco dinheiro, praticamente
assumiram as despesas; bebemos uísque, almoçamos em bons restaurantes e
conhecemos um pouco da elite carioca. Após os barzinhos à noite elas iam para
casa em seu carro e nós para o nosso “hotel”.
QUINTA E
SEXTA-FEIRA – As programações foram praticamente iguais durante o dia. Na noite
de sexta-feira a mudança ocorreu após o barzinho quando nos despedimos delas
que foram para suas residências e nós em busca de uma cama amiga por caridade.
O frio
afastara as pessoas das ruas inclusive as que necessitam dela com todos os
seus perigos, para garantir o sustento familiar.
Depois de
uma volta por Copacabana, especialmente pela Av. Atlântica, onde não se
arranjava nem briga, rumamos para o hoje famoso bairro da Lapa
mas àquela época, “zona” mesmo. Paramos em um posto de gasolina
contamos para um bombeiro nosso objetivo e pedimos auxilio. Respondeu que
não conhecia nada porque não morava por ali e chamou o gerente.
Repetimos nosso objetivo, ele disse que estava difícil devido ao frio e lamentava
não poder nos ajudar porque no dia seguinte (sábado) seria o lançamento da
campanha do Tigre da Esso e que morava longe, em Olaria. Mesmo assim daria uma ajudinha. Abriu a porta do carro,
identificou-se como Orlandinho Piroca e mandou que seguíssemos. Nada. Voltando
ao posto ele saltou do carro, entrou no dele e disse: sigam-me. Seguimos.
Paramos em
uma boate cujo comitê de recepção eram vários policias bem fortes e diversas
caminhonetes Chevrolet Veraneio de boca aberta esperando a clientela.
Entramos,
ele logo arranjou uma mesa e em menos de 10 minutos eramos primos de Recife
visitando o Rio. Também fomos amigos de infância, sobrinhos e colegas de
escola. Quando passava uma mulher das muitas que ele conhecia, chamava para
ficar com seus primos e se diziam estar acompanhadas mandava embora
dando-lhe um tapa na bunda.
A certa
altura esquecemos mulher, cama, bebemos muita cerveja com nosso “primo”
Orlandinho que somente nos liberou quando o cansaço bateu, quase na hora do
Tigre da Esso acordar. A única discórdia foi na hora de pagar a conta que ele
não aceitou dividir porque éramos seus convidados. Foi uma noite maravilhosa. A
melhor de todas.
SÁBADO - Voltamos
para casa cumprindo o ritual de sempre, já encontrando Hildinha se preparando
pois iria com Carlinhos passar o fim de semana na casa da sogra.
Tomamos um
café maravilhoso, Hildinha devolveu o dinheiro guardado, tomamos um bom banho
(fizemos isso todos os dias) e fomos dormir na cama do casal. Era a primeira
vez depois do domingo, que acontecia tal fato.
Dormimos o
dia todo, nem almoçamos e à noite depois do café voltamos para a cama e só
acordamos na madrugada de domingo para a viagem de volta.
MADRUGADA
DE DOMINGO – Acordamos e logo após o café iniciamos a viagem de volta.
Tranquila, mais comedida e sem grandes episódios dignos de nota. Talvez
tivéssemos recuperado o juízo, começado a refletir sobre as loucuras, as
recordações dos mais variados momentos ou, talvez, a consciência que tínhamos
familiares que esperavam por nós e a notícia de uma tragédia causaria uma dor
intensa para os familiares.
CARO E
BARATO – Encerro com uma historinha do que é realmente ser caro ou barato, por
mais definições técnico-cientificas dos economistas. Ela está no bolso.
Ao passarmos
por Jequié paramos para ver uma série de couros de boi que vendiam à beira da
estrada. Lindos e encantei-me por um e indaguei o preço, O vendedor me
respondeu que custava 10 cruzados novos. Tinha o valor, porém só podia dispor
de cinco senão não teríamos como chegar a Salvador por falta de combustível.
Fui pechinchando, pechinchando, ele foi baixando o preço até 6 cruzados novos e nada
mais. Não comprei por 1 cruzado novo. Concluí então que não é o preço da mercadoria no inicio ou ao final da negociação e sim o que tem condições da pagar. O meu caro foi o 1 cruzado novo que me faltou.
Foi a nossa
grande aventura e mesmo voltando ao Rio de Janeiro (cidade que adoro) inúmeras
vezes em condições completamente diferente, hospedando-me em bons hotéis com
reembolso de despesas além de diárias, nenhuma foi igual a esta.
FERNANDO E VIRGILIO