sexta-feira, 27 de julho de 2012

PREGUIÇA MENTAL

     A minha preguiça mental tem poupado o meu diminuto número de leitores do incômodo e da perda de tempo com meus blogs. Ótimo. Afasta de mim a responsabilidade de com regularidade colocar no virtual um texto comentando fatos atuais, emitindo minha opinião desejoso que agrade, mas sempre preparado para receber as críticas mais que justas e necessárias.
     Ao mesmo tempo que a preguiça me poupa o lombo, provoca uma sensação de que estou perdendo algo que particularmente me agrada, que me disciplina e me obriga ser claro, objetivo e não perder o limite de um determinado numero de linhas que não cansem tanto leitor.
     Escrever, da mesma maneira que comer, beber, fazer xixi, sexo, bater papo (um bom papo), ler um livro, ouvir música, um bom vinho, é uma atividade prazerosa e uma oportunidade que temos de exprimir as quinquilharias que guardamos na mente e no coração.
     Desculpando-me pelos incômodos do momento e futuros serei parcimonioso no atual blog.
     Com a brevidade que o retorno requer presenteio vocês com uma carta maravilhosa que recebi via e-mail. Trata-se de uma carta de Caymmi para Jorge Amado, contando as novidades e manifetando a saudade do amigo distante.
        Beleza pura.
    
   
CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO.
     “Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela  sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.  Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

     Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos  por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de  uma casa, nem te digo. Então ao

voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser

pintor, ganhava uma fortuna.  O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro.  Cadê tempo pra pintar?

     Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova

iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um  pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de

Londres,  já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem  nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

     Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James  e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

     Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe  e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena,  como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.


2 comentários:

  1. Virgííííílio, que saudade!!
    Como está o calor aí?
    Aqui, como sabe.... AQUELE friozinho do sul...rs.
    Ahhh, larga mão de ser humildezinho e põe pra fora, ou pra internet tudo o que quiser, pois os leitores querem VOCÊ com muitas ou poucas letras.
    Também estou com preguiça mental, corporal... até espiritual, imagine! Nessas horas queria ter um "painho" pra dizer: Ô preguiça, painho... quero nem me mexer... hahahaha.

    Muito legal a carta do Caymmi, presentão que você colocou aqui pra nós!

    Agora vou dormir... hoje estou merencória (risos). E amanhã tem Caruru lá na Ivana, diliçaaa!!
    Um abração em você!!
    Andréa von Linsingen

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  2. Meu querido!!!
    Parabéns!!
    Adorei as Virgilicas.

    Abração, Adelina

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