domingo, 15 de dezembro de 2013

RIO DE JANEIRO, DEZEMBRO DE 1992: UMA MANHÃ DE MEDO E TERROR.




    Na manhã ensolarada e quente daquele domingo de dezembro de 1992 no Rio de Janeiro preparava-me para ir à praia do Posto 9 em Ipanema, bem em frente ao "flat" que me hospedava quando ouvi a gritaria. Da varanda do 5º andar do flat, já advertido pela recepção do que estava ocorrendo, que as portas estavam fechadas e segurança reforçada assistimos (hóspedes e funcionários) com medo, o terror que tomou conta da praia e da Av.Vieira Souto.   Impotentes e temerosos vimos o desespero dos que estavam nas ruas e na praia para desfrutar um domingo de verão tipicamente  carioca. 
    Nessa mesma tarde/noite na forçada reclusão escrevi pa crônica abaixo para a coluna  que até hoje ainda assino no JNS  (Jornal Nacional de Seguros) de São Paulo, do meu querido amigo recentemente falecido Nelito Carvalho. 
    Hoje seu filho Sérgio Carvalho continua tocando o barco com a mesma competência  do pai (também pudera, com o mestre que teve) e a inteligência de ambos , pois Lila também militou no ramo nos tempos bicudos da ditadura, (citados por Sebastião Nery no livro A Nuvem), o JNS continua a prestar seus bons serviços ao mercado segurador brasileiro. 
    O vídeo acima, duração de 1'05" foi divulgado à noite   no Fantástico e no dia seguinte em todo o seu noticiário a Globo. Uma pequenina amostrinha do que presenciamos por um bom tempo naquela manhã de domingo.

ARRASTÃO

     Quando Edu Lobo compôs Arrastão, jamais imaginou que 20 anos depois o tema voltaria a fazer sucesso de maneira totalmente diferente do que ele dizia nos seus belíssimos versos.
     De semelhante somente a praia, pois da suavidade dos versos onde ele pedia que o arrastão lhe levasse a Iemanjá, o que se viu foi o medo se espalhar pelas areias de Ipanema e Arpoador, outrora templos sagrados da bossa nova, da musa Leila Diniz, da intelectualidade nacional, que embora materialmente nada resolvesse, pelo menos nos dava o tranquilizante para enfrentar os tempos bicudos do regime militar.
     O “arrastão” de hoje preocupa pela violência visível com foi praticado e pela falta de charme dos seus autores, quase sempre magros, famintos, desdentados e analfabetos, Na verdade deveria causar vergonha e remorsos, pois o que vimos hoje não é nada mais do que o fruto de uma política que dizimou a escola pública, considerou a saúde supérflua, alimentação artigo de luxo e lazer privilégio dos ricos.
     Originário da pescaria onde os pescadores entoando cantigas sincronizadamente puxam  a rede , cantado por Caymmi e eternizado por Edu Lobo, o arrastão não é novidade no Brasil. Posso até afirmar que o Brasil é fruto de um arrastão, porque Cabral fugindo das calmarias da rota que o levaria a África, terminou sendo arrastado por correntes marinhas e ventos outros, dando com os costados no Brasil em 1500.
     Daí em diante foi um tal de arrastão que não parou mais. Primeiro o Pau Brasil levado para Portugal para fazer tintura. Depois as mais variadas riquezas, sempre movidas por escravos arrastados da África chicoteados pelo feitor e sob o olhar complacente do senhor, mais preocupado em ganhar dinheiro e “fazer” nas mucamas que arrastavam para a cama da Casa Grande ou os cantos escuros da senzala.
     Das Minas Gerais arrastaram muito ouro e pedras preciosas. Por fim arrastaram pelas estradas e ruas o corpo de Tiradentes, que se revoltara contra a situação.
     Se você pensa que parou por aí, é bom lembrar que em decorrência do arrastão que Napoleão e seus exércitos faziam pela Europa, D. João VI e sua Corte, antes de serem arrastados do trono, arrumaram suas trouxas e se mandaram para o Brasil, aqui se instalando inaugurando o arrastão do erário.
     Talvez por premonição ou conhecer bem os costumes, D. João VI antes de voltar para Portugal, resolveu coroar D. Pedro I, tendo dito na solenidade que tomava tal atitude antes que algum aventureiro se apossasse dela. Joãozinho, pelo visto sabia das coisas.
Os arrastões fazem parte da nossa história. Até no futebol já fomos vítimas, pois, em 1950, em pleno Maracanã, os uruguaios nos arrastaram uma Copa do Mundo.
     Em 1889, gripadíssimo, o marechal Deodoro da Fonseca foi se arrastando até o Palácio Imperial. Entrou monarquista convicto e depois de um pito, tornou-se republicano “desde criancinha”. Nascia a República e D. Pedro II, devido às circunstâncias, embarcava para Portugal.
     A nossa república, de arrastão em arrastão vai se segurando: revolução de 30, golpe de 37, democratização em 1945, suicídio de Vargas em 1954. Em 1961, arrastado por um tremendo pileque, Jânio Quadros renuncia e o regime presidencialista é arrastado para o arquivo. Nasce o parlamentarismo para Jango poder se empossar e governar. Demorou pouco tempo; um plebiscito fez voltar o presidencialismo, arrastando a experiência para o arquivo.
     Em 1964, arrastado pelas multidões que em nome de Deus e da Família Jango foi deposto. Em nome da salvação e da liberdade o Brasil foi arrastado para um dos seus períodos mais negros.
     Arrastadas a liberdade de expressão, os direitos individuais e políticos, passaram  a arrastar das mais variadas maneiras o dinheiro do povo. Angra 1 e 2, Ferrovia do Aço, Transamazônica, Coroa-Brastel, FGTS, mudanças dos índices da poupança e do reajuste dos salários, empréstimos compulsórios, selo pedágio, etc.
     De tanto treinar arrastão, chegamos ao máximo da perfeição no dia 16 de março de 1990, quando Collor, arrastou o dinheiro de todo mundo, deixando-nos somente com 50 mil cruzeiros. Poderia ser bem pior se o bilhetinho sorteado pela Zélia tivesse sido o de 30 mil cruzeiros. Milhares de brasileiros ficaram felicíssimos. Afinal tinham no banco o mesmo que Antônio Ermírio de Morais. Era o máximo da glória.


     Na ânsia de superar a tudo e a todos, Collor não se deu por satisfeito e permitiu (segundo os jornais) que se instalasse o maior arrastão da história do Brasil: o “arrastão da corrupção”. O “arrastão da corrupção” além de levar milhões de dólares de muito para o bolso de poucos, revelou fatos muito interessantes. Para mim, o melhor de todos foi o ocorrido com Dr. Antônio Ermírio de Morais que desembolsou 240 mil dólares em honorários a PC Farias por serviços e até hoje não sabe se foram prestados e que não iria reclamar. Fico a me perguntar se isso é coisa de quem tem muito dinheiro ou, se não é, como ele conseguiu tanto dinheiro pagando as contas sem conferir.
      O arrastão da periferia preocupa e atemoriza todos nós. Uns por medo realmente de verem suas economias levadas por alguns marginais pés de chinelo. Outros por conhecerem muito bem o assunto ter que enfrentar a concorrência.

PS.: Ao publicar nesse BLOG uma crônica escrita há 21 anos, o objetivo é mostrar como o Brasil se repete constantemente e irritantemente. As vezes numa velocidade tão impressionante que o episódio não consegue nem desfrutar seus quinze minutos de fama.
 

3 comentários:

  1. Muito bom...pude rir bastante e repensar toda essa nossa história. Chego a conclusao de que aos políticos falta criatividade para praticar os arrastoes, mas que o povo, menos instruido ainda, também é tao apoucado, que aceita de igual forma essa eterna ladainha...

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  2. Obrigada por este texto amigo querido.
    Um natal repleto de amor e muita compaixão.
    Isabella.

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