A letra é muito bem feita, rima, métrica, tudo perfeito. A música gostosa de ouvir e o arranjo maravlhoso. Para completar, a maravilhosa interpretação da saudosa Elis que possuia o o dom, tal qual uma deusa, de dar vida a qualquer música que interpetava. Tudo isso junto, mais uma belíssima canção da nossa MPB para agradar nossos ouvidos e nos fazer cantarolar baixinho. Engano. Havia algo mais. Algo que fugia à percepção de nós, comuns mortais.
É que nos tempos de chumbo da ditadura, os intelectuais,
principalmente os compositores, realizavam verdadeiras acrobacias mentais para
denunciar os horrores do sistema sem o risco, ou melhor, com a minimização do
risco de serem presos e passarem pelas mesmas humilhações que passavam as
vítimas da intolerância, do mau humor e das paranoias e dos instintos sádicos dos
verdugos de plantão.
Chico Buarque, Vinicius, Gil, Caetano,
João Bosco, Aldir Blanc e muitos outros conseguiram com sua inteligência
driblar os censores que com sua mente curta e bitolada somente muito tempo
depois descobriam que aquelas músicas traziam mensagens “subversivas” que
minavam aos poucos as defesas da ditadura e de maneira sutil nos relatavam o
que se passava nos porões do arbítrio. É que, rigidamente controlados pela
censura os órgãos de divulgação não podiam publicar nada que maculasse a
“redentora”.Dentre as composições que marcaram essa época vergonhosa da nossa história, uma delas foi O Bêbado e a Equilibrista de autoria dos geniais João Bosco e Aldir Blanc, magistralmente interpretado pela saudosa Elis Regina.
Sabíamos que a letra era uma mensagem de alerta contra o regime. Tínhamos a certeza de que ao falar do irmão do Henfil, algum recado eles estavam nos dando. Ao se referir as Marias e Clarices (no plural) não queria dizer simplesmente que existiam muitas Marias e Clarices. Eram Marias e Clarices especiais que carregariam para o resto de suas vidas a dor e o sofrimento. Mas que certamente, por mais que sofressem não perderiam a coragem de lutar contra o abuso do direito de pensar dos seus esposos.
Líamos e relíamos a letra, ouvíamos muito satisfeitos e embevecidos a interpretação da genial Elis e certamente ficávamos perguntando o que havia por trás daquela letra e dos sinais e gestos que ela nos enviava quando interpretava. Sentíamos que Elis que normalmente transmitia bastante emoção, quando cantava, em “O Bêbado e a Equilibrista” havia algo a mais que não conseguíamos captar. E havia... e muito.
O Bêbado e a Equilibrista (Significado da
letra)
1.O Bêbado - O bêbado representa os
artistas, poetas, músicos e "loucos" em geral, que embriagados de
liberdade ousavam levantar suas vozes contra a ditadura.
2.e a Equilibrista - A equilibrista era a
esperança de democracia, um projeto de abertura política gradual, que a cada
"eleição", a cada evento que incomodava os militares (passeatas,
etc), tinha sua existência ameaçada.3.Caía a tarde feito um viaduto - Um viaduto, obra do governo, caiu, desabou sobre carros e ônibus cheios de pessoas, matando muita gente. Na época, nada pôde ser noticiado nem as pessoas foram devidamente ressarcidas ou indenizadas. Cidade de Belo Horizonte, viaduto da Gameleira, década de 70.
4.E um bêbado trajando luto - Referência aos militantes de esquerda que foram "sumidos" ou declaradamente assassinados sob tortura.
me lembrou Carlitos
5.A lua - A lua representa os políticos civis que se colocaram a favor do regime, a fim de obter ganhos pessoais. Eles "acreditavam" tanto na propaganda oficial que se dizia que se um general declarasse que a lua era preta eles passariam a defender tal tese como verdade absoluta. Em determinada época foram até chamados de luas-pretas.
6.tal qual a dona do bordel - A Câmara de Deputados e o Senado foram algumas vezes comparados a bordéis devido aos negócios imorais que lá se faziam. É claro que os cidadãos indignados não podiam dizer claramente que pensavam isto, ou seriam no mínimo processados por calúnia, injúria, difamação e etc.
7.Pedia a cada estrela fria - As estrelas são os generais, donos do poder. Alguns deles nunca apareceram como governantes, preferindo manipular nos bastidores. Se contentavam com uns poucos privilégios astronômicos e umas ninharias de cargos de direção em estatais ou o poder de nomear umas poucas dezenas de parentes e correligionários em empregos públicos.
8.um brilho de aluguel - O brilho de aluguel era, como mencionado acima, os ganhos pessoais e até eleitorais obtidos pelos civis que aceitavam ser marionetes. Alguns destes civis cresceram tanto que ultrapassaram em poder os seus "criadores" fardados.
9.E nuvens - Os torturadores são aqui comparados a nuvens, pois eram intocáveis e inalcançáveis.)
10.lá no mata-borrão - O mata-borrão é um instrumento antiquado destinado a eliminar erros, borrões na escrita. O DOI-CODI, nossa temível polícia política da época era o mata-borrão do regime (instrumento antiquado destinado a eliminar erros.
11.do céu - As prisões eram inalcançáveis ao cidadão comum, inacessíveis, por isso a comparação com o céu.
12.Chupavam manchas - Os rebeldes são comparados a manchas, ou seja um erro na escrita, uma coisa fora da ordem, uma indisciplina.
13.torturadas - Referência à tortura aplicada aos militantes de esquerda, que ocorria às escondidas. O regime jamais admitiu que torturava pessoas, porém nunca houve punições aos casos que conseguiam alguma divulgação, apesar da censura à imprensa.
que sufoco louco.
14.O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil - Os artistas nunca se calaram. Esta música, ele própria é uma das irreverências.
15.Pra noite do Brasil - Um tema recorrente nas músicas da época. A volta das liberdades políticas é comparada ao amanhecer, bem como a ditadura é comparada à noite.
meu Brasil
16.Que sonha com a volta do irmão do Henfil - O Henfil (Henrique Filho) era um afiadíssimo cartunista político muito visado pelo regime, bem como seu irmão o Betinho, que no governo Fernando Henrique organizou o programa de combate à fome. Os dois eram hemofílicos e morreram de Aids.
17.Com tanta gente que partiu - Referência aos exilados políticos.
num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
18.Choram Marias e Clarisses - Maria é a esposa do operário Manuel Fiel Filho morto sob tortura nos porões do DOI-CODI (SP) em janeiro de 1976 e Clarice é a esposa do jornalista Wladimir Herzog, também morto sob tortura, no DOI-CODI (SP) em outubro de 1975.
no solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A esperança dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Azar , a esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.
Parabéns amigo. Eu tenho inveja de voce. Uma inveja branca, porque admiro quem tem o dom da palavra. Quando entrei na Cvj em 1977 acompanhei vários atos que a ditadura impunha. Tivemos até um colega de trabalho que havia sido preso.
ResponderExcluirSempre gostei dessa musica e sabia que e3stava relacionado com a ditadura mas nao sabia exatamente sobre esses detalhes. Parabens por esse maravilhoso trabalho. Um beijo no seu coraçao. Muita paz!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirExcelente querido amigo! Pra mim vc traduziu com sua sensibilidade e percepção, o que está nas entrelinhas desse hino, dedicado aos verdadeiros heróis da ditadura e que pra mim, faltou compreender o significado do significativo...bjs.
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