sábado, 29 de março de 2014

SALVADOR, 465 ANOS

     Hoje a cidade festeira está em festa. Bastante justa por sinal. Afinal de contas são 465 anos de vida bastante movimentada, de altos e baixos, não somente pelas ladeiras, uma das suas características, e sim pela mudança de status social quando deixando de ser a capital do Brasil, passou a ocupar a planície.
     Nem por isso perdeu o charme, a beleza e o encanto que a todos que aqui chegam se sentem atraídos pelo ar misterioso que ainda possui, mesmo sofrendo a descaracterização decorrente não do modernismo e sim pela falta de respeito para com a sua história tão rica e fascinante.
Por suas ruas e becos, praças e praias, pelos casarões coloniais e casas simples, pelas igrejas e terreiros de candomblé, em qualquer canto onde passemos encontramos um pouco da nossa história local e nacional.
     Por suas ladeiras desfilaram as madames e senhorinhas em suas liteiras carregadas por negros  escravos e também balançando os "quartos" (quadris) com trouxas de roupas para lavar, as bonitas negras cujo  balançar de suas bundas abundantes faziam com que os vetustos senhores cofiando a barba sentissem por momentos a ilusão da ressurreição da libido e a imaginar o que faria com aquela mulher farta de coxas, bunda e peitos.
     Mas essas ruas, becos e praças não viram passar somente o  desejo do pecado balançando como as velas dos saveiros singrando no mar azul da Baía de Todos os Santos que emoldura a nossa aniversariante e constantemente nos traz uma brisa suave para aliviar calor. Por aí também passaram Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro que entre um e outro duelo jurídico recolhiam nas ruas os aplausos dos seus seguidores. Por essas pedras seculares também passaram Caymmi que em dia de exagero disse que na Bahia (referia-se a Salvador) havia 365 igrejas e em arroubo poético achou doce morrer no mar e certamente em tarde de ócio contemplativo cantou as belezas dos coqueiros de Itapoã.
     Ah, provavelmente quando foi matar a fome no tabuleiro da baiana ao ver tantos quitutes gostosos resolveu em mais uma canção não somente descrever o que ali estava como também nos ensinar como fazer um vatapá.
     O argentino Carybé aqui aportou...e ficou.         
     Quadros, painéis, grades em ferro, muitas das quais hoje cercam as nossas praças que à noite fecham e deixam de ser do povo como dissera Castro Alves, fazem companhia as esculturas de outro gênio baiano Mario Cravo, cuja obra mais conhecida em Salvador é uma fonte onde foi o antigo mercado Modelo,  que pelo seu formato foi carinhosamente batizada pelos baianos como os "culhões" de Mario Cravo.
     Ah minha querida Salvador cuja modernidade fez com que você perdesse algumas das características  que somente existem nas cidades provincianas.
     Hoje não encontramos mais nas ruas seus filhos mais importantes e famosos que enfurnados em suas casas ou circulando em seus carrões com vidros fechados nos furtaram o prazer de cumprimenta-los e aponta-los aos filhos, amigos e visitantes.
    Como era maravilhoso de vez em quando encontrar com Jorge Amado em suas andanças pelas ruas em contato com o povo sem ser incomodado e provavelmente buscando inspiração para seus romances. Sim, as ruas e o povo comum foram suas fontes de inspiração. Nas suas andanças ele esculpiu em letras Vadinho e Dona Flor a na mocidade quando morou no Pelourinho, no convívio com as putas muitas estórias verídicas, inventadas, escabrosas, melosas, dolorosas e engraçadas em sua memória arquivou e em letras posteriormente moldou seus maravilhosos romances para nosso deleite.
     Minha velha de 465 anos hoje completados que a cada dia se moderniza mais com largas avenidas, engarrafamentos monumentais, vizinhos desconhecidos e onde até as ladeiras estão acabando, sabemos que é impossível retornar e em absoluto desejamos isso. Mas por favor não perca aquilo que de melhor possui: o encanto.
     Beijos espalhadinhos e um feliz aniversário.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Outras beijocas bem espalhadinhas em seu coração amigo.
    Belo texto.

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  3. Isso mesmo Virgílio, que não se perca a identidade. Um grande abraço.

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  4. Grato pelos comentários Raquel e Isabella.

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